quarta-feira, 4 de março de 2009

A COR DO MEU PAÍS

A cor do meu país podia ser
Do azul do céu
Do esplendor de nossas matas
Do amarelo do ouro, mas

A cor do meu país nasceu de dentro
Como tudo que é muito adorado
Cor escondida no nome
Feito amor que depois é revelado

Verde, amarelo, azul e branco
Tudo certo e pura distração
A cor do meu país está na cara
É o nome que esclarece a confusão

A cor do meu país
Veio da mata
Do miolo, do Pau-Brasil 
mais cobiçado

Quem vê outra cor
No nome que pronuncia
Chama de Leonor
Quem tem nome de Maria

A cor do meu país
Não é cor pra ser negada
É Pau-Brasil em brasa
É a cor mais encarnada

Pau-Brasil é brasa
Brasa não tem pudor
É vermelho e arrasa
Como a cor do meu amor

Pau-Brasil é brasa
Brasa não tem perdão
É vermelho e arrasa
Como a cor do coração

Agora sei...

MÃE

Por nada eu perderia vê-la
em silêncio, lendo
os poemas que agora lhe entrego

São claros como os dias lindos que se miram em você
são frutos maduros nas copas das mangueiras altas
imitando seus olhos que não canso de ver

Eles não são engenharia de palavras,
ainda mais verdadeiras direi a você.
São algumas combinações possíveis
Da infinita emoção que vem do seu ser.

Nem são para obter seu encantamento
Esses sinais da mais pura confissão
Mas esses versos cultivam,
é verdade, o sim do coração.

TRÊS POEMAS

Um para o encontro
outro para a contradição
e um para a despedida

é o mínimo que Deus
oferta ao poeta
a cada amor na sua vida

InPULSOS

Tua voz é rosto
espelho e drama
teu nome é corpo
perfume e chama

Teu riso é pele
desejo e lenha
teu suspiro é boca
gracejo e senha

Teu medo é toque
estrada e canto
teu silêncio é abraço
chegada e manto

Meus olhos não conhecem tua imagem
meu olfato não guarda o teu cheiro
minhas mãos não sabem as tuas
meu paladar desconhece o teu beijo

Pelos impulsos do fone viramos um só
como corpos e almas nascendo do pó

PRIMEIRO MOMENTO

Ouço
l o n g e
sua voz
e nela
um singelo começo

é puro verbo
no fio extenso
é princípio
é frágil
é imenso

teu rosto desconheço
teus traços um segredo
tuas razões outro mistério
mesmo assim eu estremeço

pouco para contar
em muito de sentimento
mas são os verbos que principiam
o interminável primeiro momento

POEMA FINAL

Quero uma morte tranqüila
e nada de repouso e leito
quero janelas abertas
enxurrada nos pés
e céu congestionado de estrelas

Quero uma morte branda
como passagem permitida
com músicas de domingo
cheiro de café das manhãs
e muito pão de queijo dormido

Quero uma morte serena
como mão docemente estendida
arrodeada dessas coisas banais
que desviam caminhos traçados
e dão sentido à vida

Quero uma morte à altura
de quem sempre tramou esperanças
e quero partir antes dos meus sonhos
pois sem eles a morte é repetida
sem sonhos não se morre tranquilo
sem sonhos não se vive a vida

ÂNGELUS DA AGONIA

Senhor
o que será feito de mim
nessa dormência insana
do amor em abandono?

Senhor
o que será dos meus dias
nessa carga leviana
paralisado nas melancolias?

Senhor
o que será da minha vida
nessa prisão profana
da saudade não correspondida?

Senhor, o que será de mim será
se me consome essa moça
se esse amor me leva à força
se sem ela não tenho paz?

Dá-me, senhor
o ar de volta ao peito que fenece em chamas
a alegria de volta à boca que pronuncia seu nome
de volta a minha força que só retorna se sou seu homem
a paz de volta às horas que esse amor é imenso
como o rio, como o mar
como a terra, como o ar
como a flor na primavera
impedida de brotar.

DOCE EXTREMO

Mágico encontro
olhos selados de milhas e segredos
força encantada do longe
interminável relâmpago
de suspiros e silêncios, silêncio, silêncio.

Ali, quantos buracos negros
desistiram de seus intentos
quantas estrelas nasceram
da explosão daquele momento
tempo flash interminável dos nossos olhos
jorro de sentimentos

atravessamos a primeira porta
tomados de infinito - juntos
auras, espíritos e corpos
próximos dos arfares de Deus - tarde e cedo
vivos, para quem tem tônus
mortos, para quem tem medo.

FIM DO JOGO

Você é uma lata de coca
amassada e torta
que eu guardo demais

você é garrafa vazia
jogada num canto
esperando mais

você é confete usado
varrido e guardado
pro outro carnaval

você é caneta sem tinta
naquela gaveta
que eu não abro mais

você é filtro queimado
de um cigarro caro
e eu não fumo mais

você é um selo usado
num álbum guardado
que eu não quero mais.

DEDICATÓRIA

Existem pessoas
que nos marcam profundamente
muitas nos são eternamente gratas
outras são lembranças vivas,
presenças inesgotáveis

Você é daquelas
que me empresta o mundo
para que eu possa vê-lo
com meus próprios olhos

No que faço,
no que falo,
no que sinto
no que desejo
tem sempre
você.

BULULU-TATÁ

Hoje,
não só hoje,
mas hoje especialmente
Bululu-tatá

No entanto
e tanto e tanto
a luz do dia em todo canto
Bululu-tatá

É certo
Não um certo qualquer
Mas um certo certamente
Bululu-tatá

Só lamento
e não minto
Espero
Pressinto
Bululu-tatá.

NOVO TEMPO

Perdemos as palavras
tantos anos guardadas
entre olhares trejeitosos
e trejeitos falares

Ganhamos as ruas
aos gritos de umas poucas
o direito pleno às quase palavras
(uma mistura moderna, um falar que é quase
porque quase fala o que quer)

Mas elas hoje
ao sol secando
lavadas dos anos de não
serão maiores
porque redescobertas, relidas e reditas
germinam consigo
a palavra libertação.

TENTANDO SER POETA

A sensibilidade como ferida
represa a voz e as lágrimas
não vejo a manhã nem amanhã
Há dias que você parece ser o meu dia

Que faço quando fico assim?
Telefono e me ligo em você pelo fio da voz

não consigo ler nem escrever
sou emoção repleta
e sofro em dobro
tentando ser poeta.

DÁDIVA

No sol escaldante do meio dia
dias secos de setembro
brilham duas balas transparentes
entre os meus dedos
e vai-se longe o sorriso de duas crianças
que nem conheço.

SEMPRE DE AMOR

São dez horas do mesmo dia
ensolarada noite agora

Escuro de esconde-luz se fez
e se desfez pouca hora
E era tanto breu, vazio de cor e forma
que anoitecemos de sons, texturas e palavras

Aos olhos luz alguma
eu era e você era
corpos desencontrados
E entre nós nada havia
Nada
Nada nos separava

De dentro do escuro perfeito
do vazio que tudo pode
antes que tivéssemos nos tocado
uma luz que éramos
que de nós fluía
entrelaçou nossos corpos

Não queríamos parar o tempo
não queríamos a noite para sempre
O tempo e o sempre já não mais existiam.

KATULOS

Os dias se arrastam
na folhinha da parede
Os números se repetem
Um a trinta
Um a trinta e um
enquanto ficamos à espera
de um tempo de coisa concretas
definidas, certas
que a vida nos nega

Pois a vida Katulos
não dará a receita
nem apontará o caminho
Ela nos oferece apenas
a possibilidade
de não seguir sozinho.

PARÁBOLA DO AMOR

No primeiro dia Deus fez a comunhão
e nela a luz afastou as trevas
Invadiu frestas e revelou as formas
dos beijos levados pelos dedos
que anunciavam o sabor do encontro:
chocolate

No segundo dia Deus fez a dúvida e a certeza
ambas doces, serenas e constantes
Dúvida: teriam ficado no peito do outro
as mesmas marcas do primeiro dia?
Certeza: havia luz à frente
e trevas e trevas em todo o passado.

No terceiro dia Deus fez a culpa
e nossos corações se encheram de medo
E as noites ficaram frias
Lembranças de luzes e sonhos
manhãs e flores
suspiros e dias

No quarto dia Deus fez a promessa
E o nosso amor fez-se em laços e enleios
Cada hora mais distante do ontem
Feito busca de horizonte
Feito fuga
feito feito

No quinto dia Deus fez a saudade do futuro
que nossos olhares, abraços e beijos apontam
E os dias e as noites fizeram sombras
em desertos ermos, luz onde reinava trevas
jorros de sonhos
levas e levas

No sexto dia Deus fez o silêncio
e nele ouvimos o som retinto das sementes
Explosão de olhares, vontades, desejos e beijos
Colorindo de esperança manhãs e medos
Dádiva da fruta
Sede e cedo

No sétimo dia Deus fez o canto
e acendemos da alma a trôpega chama
A voz invade e a palavra cala
Canto calmo a embalar o sorriso
Frágil delícia
Santo santo

No oitavo dia Deus fez o amor
afastando dúvidas, receios e medos
Não éramos mais desse mundo
Cerziu de luzes os laços ternos do encontro
De chegada, de partida
Um ponto outro ponto

No nono dia Deus fez a alegria
e mergulhamos em risos, rimas e danças
Sinfonia de aconchego, carícia e acalanto
Em toda poesia que a vida alcança
Novo dia, novo
Tanto tanto

No décimo dia Deus fez o adeus
e partiu num gesto de sorriso e pranto
Por ter revelado em nós seu mais íntimo desejo
De ver o amor anunciando a vida
Em chuvas de sonhos
E enxurrada de beijos

No undécimo dia Deus nos fez em esperança
e lançou sobre nós o tempo e o infinito
Suas preces e descansos
Afinou o mistério, o devir e o sempre
Ficou e partiu, vigília e sono
Amor, humano amor
Deus amo Deus amo.

II
E os dias se passaram como um rio santo
e Deus fez em nós, de sedas e linhos, a sua prova de vida
Dores que ungem e unem espíritos
amores que sangram veladas feridas
Celeiros de amor e coroas de espinhos
contínuo de laços, promessa e ritos

E antes que chegasse o milésimo dia
Deus emudeceu de espanto
Tristeza e pranto, silêncio e vazio
pois viu que seus dois filhos queridos
destruiriam seus laços
fraquejariam perdidos

Ele mergulhado no trabalho
corpo do outro corpo
Não viu que o sangue do seu sangue fugia
Ela lançada ao ser desse mundo
cega das luzes que cegam
não viu que seus passos a traíam

E antes do último dia daquela bênção desfeita
Deus se envergonhou da imperfeição de sua obra
livre arbítrio que longe Dele emudece os cânticos
e afasta os corações das orações de domingo
Respiros de liberdade, desatino
manchando seu manto sagrado - divino

E por fim tomou Deus nas mãos
os pedaços que restaram de sua intenção primeira de amor
Ali luzes tênues e morrentes
Aqui gosto amargo do amor desfeito
Ali pedaços confusos de bons e maus pensamentos
Aqui desilusão dos caminhos sem jeito

Então, num gesto derradeiro fez Deus o que devia
para unir novamente aquelas partes
que por Ele foram um só corpo um dia
com as mãos juntou os pedaços à face
e choveu e choveu
quarenta noites e quarenta dias.

LAÇOS

Quis o amor ser
em nós
um descaminho
que enroscando-se aponta
duas novas pontas
que ao contrário de distanciarem-se
retornam tontas
ao ponto de encontro
num movimento infinito
de serem pontas que seguem
caminhos seus
mas que movidas
pelo amor ao amor
(presente da vida)
fazem juntas
uma flor
um coração
uma lágrima
mas nunca um adeus.

VÔO DE AMOR

Minha mente não mente
Brinca como uma borboleta
e causa inveja aos meus olhos.

Meus olhos tateiam tua imagem
Nas tantas luzes que o dia apronta.
E causam inveja a meus ouvidos
Que só podem percebê-la

Meus ouvidos captam tua doce sonoridade
Na voz, no riso, no gracejo e na negativa.
E causam inveja à minha boca
Que como um pote enche-se de água.

Minha boca se descontrai no sonho da tua boca
E minha língua espalha-se leve contrastando com a garganta.
E causam inveja às minhas mãos
Que só podem tocar a si mesmas.

Minhas mãos tocam tuas mãos
Nas muitas horas permitidas.
E causam inveja a minha pele
Que só pode sentir o calor de tua presença

Minha pele respira o ar
que se refaz com teu perfume.
E causa inveja aos meus suspiros
Que só podem aumentar com tua lembrança.

Sou pele com teu calor
Sou afago com tuas mãos permitidas
Sou água farta no desejo da tua boca
Sou livre correndo os olhos em ti
Sou acústica da tua sonoridade
Sou mente aberta, em ti mergulho solto
E tudo isso não causa inveja ao meu coração.
Pois ele está pronto para voar contigo
Sobre mares, montanhas, florestas, rios e vales
Como um imenso e lento balão horizontal
Ele sabe que a mente rodeia
Que os ouvidos se enganam
Que a pele em desejo foge ao tato
Que as mãos dissimulam tranqüilas
Que a boca esconde
Que os olhos disfarçam

Mas sabe também
que um coração
só infla
e voa
e flutua no ar
com o suspiro
descompassado
de outro
coração
apaixonado.

PROMESSA

Nunca disse que te amo
nem soube sussurrar doçuras
em nossos melhores momentos

Não beijei teus pés como tua boca
nem tua boca como tuas coxas
nem tuas coxas como era meu desejo

Nunca disse que vivia ou morria por ti
nem implorei teu perdão, nem tua volta
mesmo morrendo de desejo

Tudo bem, eu me rendo
Direi tudo isso um dia em poemas
quando escrevê-los

SOLIDÃO A DOIS

Enchi de alegria
os caminhos do mundo
e a tristeza mora em mim

Disse sérias mentiras a hipócritas
Sorri verdades nas margens dos rios
e sinto frio, frio

Rompi barreiras e ventos do desejo
Abrasei sentimentos virados em cinzas
e amarga-me a língua, a língua

Vi belezas tantas e tantas
descarreguei semblantes em cores finas
e hoje destilo-me, destilo-me

Fiz paixões, criei amores
Lancei luzes nos silêncios profundos
e choro ternamente só

Ergui - ergui-me
Suportei - suporto
Nunca fui tão amado pelo que sou
e você venceu:
fez-me odiar em mim
esse amor que é todo seu.

O ENCONTRO

Tua luz invadiu a sala
as frestas, o âmago
naquele instante do meu coração
entregue ao sol
e nunca mais conheci as sombras
os noturnos e os escuros da solidão

Selados naquele encontro
do amor a mais bela sentença
anjos e estrelas, olhos e cânticos
tomei meu corpo e alma nas mãos
e dei-me a ti para o sempre da vida
bebida dos olhos, paladares da unção

Dali fomos juntos ao banquete do enlace
e de pé seguimos tomados pelo sim
maiores que o alto
acima do horizonte
para as uvas do planalto
e as águas emendadas da fonte

AMOR CÊNICO

Quero sempre lembrar
do nosso amor como uma semente
que em tudo se parece com a vida
pela força divina que carrega
pela fragilidade que encerra
pelo mistério que guarda

Mas agora,
nesse tempo que te inspira
a semente se parece cênica
falsa força
falso brilho
falsa sorte
em tudo transgênica.

AMORES DOS ÚLTIMOS DIAS

Naquela tarde da vida
O amor se esgueirou
entre galhos secos em cerrados
e árvores retorcidas
Silêncios que revelam
a longa noite da partida

Como estás em teu tempo de não
e assim me negas
o amor, o compromisso, a solução
deixo aqui poucas palavras
nesse esforço de adeus

Te amei, te amo, mas sigo sentido
pois o meu alimento para a vida
que é o amor
agora foge contigo.

PERDÃO DE MONGE

Naquela manhã de nossas vidas
ia de mãos dadas contigo
sem saber que os nossos sonhos
só passeavam comigo

Tu já levavas tensa
a tua paixão por outro
e minhas mãos apertava
fugindo do medo conhecido

Eu nos teus olhos queria
a volta da mulher
que me fora tomada

Envolta nas chamas da paixão ardente
que impiedosas te queimam e consomem
ainda assim relutas - me queres teu homem

E sigo contigo
ora fortaleza
ora castelo de cartas

Enquanto me despejas em jorros
afetos rasgados e chuvas de carinho
mistura insana de fel e vinho

Eu sorrio, desespero
jorro de pranto
espinho e encanto

Tu me negas
e pedes esperança
neurônios em dança

Eu me vou
tu te ficas
nada levo
nada indicas

Promessas de vida
retorno ao longe
sentença de lida
perdão de monge

FOLHA E VENTO

Tudo mudou em minha vida
já que sou teu amante agora
deste a outro teu coração
e o meu na solidão, chora

Por te amar fico ao teu lado
tua tristeza e alegria me consola
Pois a paixão tem só uma via
ri de ti, te afaga e te consola

Sinto-me inseguro - descompasso
Socorro-me em ti - desalento
Sou folha frágil a bailar no teu espaço
mas vôo feliz - inebriado no teu vento

MANEQUINS

Passeamos palavras de amor e afeto
naquela manhã de riso e sonho
algo distante, sincero e tristonho
olhares molhados de adeus interminável

Estávamos sós, mãos nas mãos
bocas em beijos ardentes
os corações andando juntos
as mãos em toque de reconhecimento

No corredor do shopping - manequins
olhares em nós - voz, cortejo e movimento
perplexos viam nosso amor de vitrine
momento trágico de alegria e sofrimento

Na última curva do corredor - retidão total do espaço
Nos gestos de nossos corpos - encontro, descompasso
de mãos dadas - coração
mentes separadas - insuportável confusão

Além de nós ninguém chorou aquele adeus
enamorados assim, quem saberia da separação?
Só manequim se pudesse choraria
pois dor maior ele conhece...a dor da escuridão

PELO CHÃO

Se tua voz me soa distante
é o desejo de fuga do meu peito
Se meus olhos estranham o teu semblante
estou tentando engolir esse amor desfeito

Se teus passos me soam firmes
é porque os meus são só sustento
Se tua voz me soa livre
é que a minha é triste lamento

Se em tuas lágrimas não mais acredito
que é por mim que lamentas
No riso depressa eu credito
que de minha tristeza te alimentas

Sigo assim nesse desalento
do adeus derradeiro e do encontro
Se desapareces não agüento
se te vejo quero ávido o confronto

Dê-me Deus uma trégua
Nesse momento de escuridão
Quero luz a uma légua
Pra cegar minha ilusão

Se voltas a perdôo
Pois que Deus fez o perdão
Pra desculpar o vôo
dos que vivem pelo chão

NOITE QUE NÃO TERMINA

Diga a Deus que é mentira
Diga a todos que não há despedida
Diga a mim que é pesadelo
Esse turbilhão em nossa vida

Tantas vezes te disse que eras linda
Tantas vezes te disse que tinhas rara alegria
Tantas vezes te disse que o mundo lhe pertencia
Agora zombas de mim e a outro entregas tua beleza e sorriso

Não me arrependi de fazer-te forte
Não me arrependi de avivar tuas virtudes
Não me arrependi de te oferecer a outra face
Tantas vezes precisasse, tantas vezes faria

Mas provaste-me que a vida nada reserva aos justos
que a vida zomba dos que se iluminam no amor
que a vida nada oferece aos que se orientam por Ele
que a vida não perdoa quem caminha com a Verdade

Qualquer um sabe que não se pode esperar tréguas da vida
Ou dos amigos, do emprego, dos romances mal resolvidos
Mas tudo isso vindo de ti, de um amor a todos declarado
É corte na carne, é sangue esvaído, é pulmão ressecado

Triste foi crer que o amor era para sempre - declarado em Cristo
Triste foi crer que nossas vidas eram trilhos que seguiam colados
Triste foi ver que tu me negaste o mais singelo - o compromisso
Eliminando qualquer chance de seguirmos lado a lado

Estou mergulhado na tristeza enquanto tu caminhas
Estou na angústia do abandono e tu na alegria do estar sozinha
Estou dilacerado pelo amor não correspondido enquanto tu outro amor realiza
Tenho a cabeça cravada de espinhos enquanto tu és sentença clara e limpa

Não espero nada da vida agora
nada busco, nada me anima
Não terei mais esperança de estrelas
enquanto carregar a certeza dessa noite que não termina

De pensamento prometo urgente livrar-me de ti
Atirando-me para a vida em busca de outro amor
Mas tomaste-me a fé, a força, a confiança, o chão
Estou preso, meu anjo, nas amarras do teu coração

POR TODA NOSSA VIDA

Meu poema morreu neste instante
e em tantos outros tomados pela despedida
Foi um amor de doces verdades
e amargas mentiras

Quando te conheci
Ergui meu corpo e minha voz
no mais profundo azul que o céu inspira
e voei ao teu lado tal barco a vela e sua brisa

Rompi barreiras, enfrentei tempestades
porque éramos paz e voávamos de mãos dadas
mas não vi que ias comigo
porque não conhecias a estrada

Hoje sobre a mesa passeia o vento
espalhando planos e vôos inacabados
produzindo aridez e queimadas
em florestas de sentimentos

Por que fui contigo à casa de Deus?
Por que a ti confiei meu compromisso?
Por que a ti fiz promessas mil
de jamais separar o que Ele uniu?

finjo odiá-la a todo instante
para amá-la na manhã seguinte
pura ilusão do meu desespero
que não aceita o amor pedinte

Algo não te fui nas manhãs de nossas vidas
E no vôo dos nossos corações
soltaste minha mão
sem me avisar da despedida

Em vão te procuro no contorno das nuvens
nos raios de sol que cintilam minhas lágrimas
ou na mais pura, bela e infinita alegria
que em nós fez sua morada

Chamaste-me de anjo que do céu te vinha
Agradecida a Deus pelo presente de ventura
Agora, como paga, implacável te cegas
desembrulhas em mim a amargura

Quero o perdão pelo mal que não te fiz
Pois assim nossas bênçãos voltarão querida
Sem mágoa, sem apelo, sem partida
por nosso amor, por toda a nossa vida.

DESPEDIDA

Não há caminho entre a mágoa e a esperança
Essa como bala de hortelã refresca a garganta
Aquela amarga o doce da vida
puro sal lançado sobre cada lembrança

Na esperança colhemos festa
de sementes plantadas no desejo
Na mágoa lançamos enxofre
sobre memórias de afagos e beijos

Na esperança esquecemos feridas
que sangram do amor em desmantelo
Na mágoa desvaneçemos o amor
que pulsa forte em falsa direção ao verdadeiro

Esperanças são torturas dementes
para quem se nega a ver que o amor já escoou pelo ralo dos dias
Mágoas são torturas decentes
para quem se nega a ser refém de promessas vãs e frias

Esperança é chegada
Mágoa é partida
Esperança é você
Mágoa é despedida

FRANÇA AMADA BRASIL

Choro de alegria por uma pátria distante
o choro de um coração que a si procura

Choro um sentimento lançado ao longe
no rumo desconhecido da terra-França

Não sei se o meu coração devaneia
ou se, na esperança de chorar a própria terra
chora outra nação nesta hora

O choro vem consentido
como o que haverei de chorar um dia
por minha terra querida

Se o sentimento de pátria
me arrancam nessa hora
Choro feliz com outra nação
as lágrimas adiadas da vitória

(depois da derrota do Brasil para a França na Copa do Mundo)

SEDUÇÃO

De repente
No meio do meu dia
sem ser meio dia
necessariamente
você aparece

E tão graciosa
mente
que o tempo fica
(completamente)
repleto de não passar

Se vão as horas
os compromissos
Não há dor
que o teu feitiço
não possa remediar

Teu jeito
assim guardado
teus olhos
semicerrados
são lados do teu sorriso

Há mistério tanto
revelação, pureza
encanto
nesse amor
desprometido

Que nada eu sei
Sei que acontece
que essa teia
que me tece
é difícil de romper

E fico assim
paralisado
perplexo
realizado
na fantasia de você.

CONTRATO DE AMOR

Não serei teu príncipe de gosto, modos e gestos nobres
Não serei teu manequim a desfilar com graça os mais belos trajes
não serei amante a realizar-te os desejos mais íntimos
não serei objeto a adornar um canto privilegiado de tua casa

Não serei teu companheiro de caminho
se somente teus passos imprimem marcas na estrada
Não serei baía segura pra tuas constantes tempestades
se é na calmaria que tu me abandonas
Não serei tua doce alegria de riso solto
se é minha tristeza que alimenta tua alma
Não serei máquina a realizar teu sonho de perfeição
que o homem perfeito é incompleto
Não serei poeta a cantar teu encantos e beleza
que o poeta não cabe numa redoma de vidro

No entanto,
se me quiseres um príncipe incompleto
se me quiseres um manequim sem toda graça
se me quiseres um amante a ser amado
se me quiseres em quase todos os cantos
se me quiseres caminhando ao teu lado
se me quiseres depois da tempestade
se me quiseres na felicidade
se me quiseres um homem somente
se me quiseres um poeta liberto
Eu tentarei ser teu
sem entretantos,
de certo.

DESCUIDO DO POETA

A poesia é apenas
poesia
caminho sempre renovado
das palavras

Por ela os sentimentos
(os mesmos, talvez)
refazem eternamente
a mesma busca
simples
objetiva
inalterada
do reencontro:
Homem-Deus
Amor-Humanidade
Paixão efêmera-infinita Existência

Faz a poesia o que pode
(refúgio do poeta)
que descuidado
perde os poemas
que a vida lhe entrega.

QUASE PALAVRA

Fujo para o poema escrito
e nele me calo
Sinto-o íntimo
próximo como a quietude dos olhos

Construo e destruo palavras
sem rudeza ou alegria,
outras tantas descortino
sem deixar de ser carinhoso

Lanço-as escolhidas sobre o papel
e outras apago
sem medo, sem mágoa

O poema eu construo.
A vida, bem...
dela sou quase a palavra.

ANO NOVO - INTENÇÃO DERRADEIRA

Nesse dia em que todos tentam ser felizes
não sei se o que sinto é saudade de ti
Se não será mais nos seus braços
que derramarei lágrimas de alegria ou tristeza

Talvez o que me doa
nessas horas derradeiras do ano
é saber que terei de revestir-me
da falsa alegria da passagem
que é dada a todos em ilusões vendidas

Mas não estranhe se é a ti que hoje me dirijo
pois contigo a ilusão da felicidade
teria sabor de vida
E essa, eu sei
sublimou a ferro e fogo
Na cura da ferida

PODERES DE DEUS

Disseram-me que Deus é onisciente
e os homens
são verdadeiramente homens
se estão conscientes
de que tudo o que fazem e sentem
produz o futuro, o passado e o presente

Disseram-me que Deus é onipresente
e os homens
são verdadeiramente homens
se sentem o machado que fere o tronco
se flutuam no vôo dos pássaros
se condicionam sua felicidade a felicidade de todos

Disseram-me que Deus é onipotente
e os homens
são verdadeiramente homens
se capazes de florescer
sob e sobre toda e qualquer criação
de receber, assimilar e projetar a vida
da mais distante até a mais próxima aldeia

ESFÉRICO

Se o homem enxerga o horizonte
a partir de uma linha
traçada
da ponta do seu nariz
jamais enxergará a arte

Se o homem enxerga o horizonte
ciente de que tudo
o que vê
com ele caminha
a arte andará com ele

Se o homem enxerga o horizonte
Ciente de que tudo o que vê
(e o que não vê)
caminha com ele
nada se distinguirá
entre ele e a arte
entre a arte e o horizonte.

AGORA NÃO É TUDO

Houve um tempo
que a realidade caminhava
na velocidade dos nossos momentos
olhávamos na direção de nossos pés
sem sombras ou arrependimentos

Houve outro tempo
que a realidade caminhava sem nós
indiferente aos nossos desejos
olhamos então para o horizonte
torrente de dúvidas em ternos lampejos

Vimos ali que a vida caminha
assim sem mim e comigo, assim sem ti e contigo
mas que a humanidade não é desatino
se somos berço e fonte e nos achamos importantes
para construir o nosso próprio destino.

LUZ DIVINA

Se como um cego te moveres sutilmente
em uma sala repleta de peças de cristal
e após ti nada houver-se quebrado

Se como um mudo frequentares a feira
e ninguém te suplantar
em comércios ou trocas

Se como uma tocha apagada
iluminares o teu caminho
na mais profunda treva

Homem serás - homem serás

Ainda,
Se como um cego te moveres sutilmente
em uma sala repleta de peças de cristal
e após ti nada houver-se quebrado
e outros homens contigo aprenderem

Se como mudo freqüentares a feira
e ninguém te suplantar
em comércios ou trocas e estiverem satisfeitos
todos aqueles que contigo negociarem

Se como tocha apagada
iluminares o teu caminho
na mais profunda treva
e após ti muitos seguirem

Homem justo serás - homem justo serás

Mas,
Se com teus olhos sãos
Souberes distinguir
entre a ostentação e aquilo de que realmente precisas

Se com tua voz sã
negociando souberes distinguir
entre o desejo insaciável e o correto

Se iluminando o caminho aos homens
souberes distinguir
entre a retidão e a tentação

Ser humano serás - ser humano serás

O homem distingue
O ser humano enxerga

O homem justo equilibra
O ser humano aproxima-se do acerto

O homem ilumina caminhos
O ser humano revela a luz divina

CORAÇÃO INTEIRO

Choro hoje como chorava meu pai
Lendo, como ele,
Minhas palavras no papel

Mal vejo letras, frases
E as sentenças que se anunciam
Vejo emoções apenas...
E desletrado de sentimentos
Vou chorando em cada linha

Escrevo pela surpresa
De ver meu pai nas lágrimas que verto
Ele já não me acompanha
Para ver que, como ele,
Também tenho o coração inteiro

DA MASSA

A rua é espelho
e nela eu passo
mesmo corpo
roupa
acho.

O barraco é espelho
e longe moram
tantos rostos
corpos
baixos.

A vida é espelho
e de milhões sou um traço
simples boca
rotos
braços.

ENCONTRO DESMARCADO

Não sabe o coração o amor que guarda
Nem o peito o tanto que em dor explode
Não sabe a luz a escuridão que amarga
Nem o céu os cantos claros que pode

Levam dias consigo as noites que não acontecem
Noites embalam desejos que em claros se afogam
Amor em trânsito entre os nãos que se tecem
E a fuga dos sims que aos nossos olhos se jogam

Antes, nossas bocas temiam o amor confesso
Agora, prenunciam o encontro desmarcado
Ontem rompemos leis - hoje tornamo-nos sentinelas
Ontem éramos reis – agora compassos de espera

O chão que me ofereces foge-me aos pés
Tal qual a terra que lhe oferto não aceita sementes
O amor que me ofereces é frágil e tosco
Tal qual o coração que lhe dou é vago e morto

Quisera eu ser um príncipe a cruzar tua porta
E a levaria comigo - certo do gesto sem volta
Mas que faço se sou teu castelo de cartas?

Sigo então ao vento – sopro incerto de espera
Sonhando que na fantasia de nossas vidas
Seja o amor verdadeiro a nossa única cela

Só assim contenho os meus temores
E volto a buscá-la como alimento d´alma
Forças novas que alcanço na tímida paz
Que do teu ser enfim explode em calma

Lembro-me então do teu constante convite
Para deitar-me à noite nos lençóis da tua cama
Única certeza ardentemente repetida
Entre tantas desilusões de nosso amor em chama

Fingimos não entender o que se passa
Tu a teu modo e eu ao mesmo
Estamos marcados por um sentimento
Que não aceita prosseguir a esmo

Lá estás – sonhando os sonhos da vida
Cá estou – marcado pela desilusão
Existe o nosso amor? Ninguém duvida
Mas o tempo cobra caro a indecisão

Estamos visivelmente ligados – confessamos
Nas minhas evasivas e nas tuas despedidas
Façamos juntos um único gesto, é o que nos pede
O amor que tomou conta de nossas vidas

BRASÍLIA EM ROCHEDO

Doralice abandonou seu medo
deixou para trás o desespero
foi viver por si

Jocélio fez de contrariado
Mas preferiu ter Doralice ao seu lado
Foi com ela caminhar

Viver de praças, semáforos
Ruas que abrem e fecham
Dois filhos pendurados

Doralice mentiu para Jocélio
Emprego de babá ela não tinha
Jocélio idem, mal sabia ler

Perambulam entre viadutos
Barracos de papelão, lona preta
Meninos brincando ao léu

Doralice esqueceu vaidades
Jocélio tem 25 dentes
E ambos, em anos, um pouco além

Arnoldo não tem registro
Meirielly fez cinco anos
Bem esquecidos ainda ontem

Hoje comeram sentados
Na rua larga da dona das marmitas de prata
Longa distância da próxima porta

Jocélio e Doralice realizam um sonho
Chegaram em Brasília pelo natal
Tempo bom de pedir ao coração

Isso faz muito tempo...
Nem guardam mais rancor
que promessas de emprego

Juntos repousam atrás da esplanada
Ela põe a lata de leite no fogo
Ele recolhe papéis bem cedo

São humanos ainda inteiros
Em lembranças, afetos e aconchegos
Embalando sonhos de vida
em Bolsa família, aposentadoria e emprego

PROCURA INÚTIL

A última estação chegou...

Não sei mais seu rosto
Nem ao menos seu endereço

Vou-me embora.
Ou de mim mesmo
Em breve
esqueço

RETRATO NA PAREDE

Nesta noite de festa
em que não posso tê-la
sequer refletida
no espelho dos olhos,
sonhando teu rosto
de amor desencontrado,
são meus beijos pra você
as milhares de fagulhas
que ao céu hoje sobem

são beijos cruzando a noite
em busca desse amor que me consome
(e por isso me preenche)
em chamas de afetos e sentimentos,
como o balão que sobe
ou o rojão que explode
nessa noite fria de São João

Sem você,
nessa festa dos pares,
dos quentões, canjicas,
pés-de-moleque, paçocas,
bolos de aipim,
ponchos e pipocas
eu seria somente a sina
do balão que sobe
ou teria a sobrevida
do rojão que explode

Você é minha sesta
minha sombra, minha festa
na queda, doce aresta
meu gesto de resistir

Fixo meus olhos no céu...
e no caminho de luzes pequeninas
que a fogueira lança na noite.
E fico a esperar que lá se juntem
pra desenhar com luz
o teu rosto
e o nosso retrato
que vou colar para sempre
na parede do meu quarto.

IMPOSSÍVEL DESPEDIDA

Quis me separar de você
Como um pedreiro de sua trena
Ou uma fêmea de seus desejos
Ou um balão de sua brisa

Mas pedreiro sem trena carrega medidas
Fêmea sem desejos leva a graça consigo
E balão sem brisa tem ânsia de destino

Inútil intriga contra as coisas sabidas.
Das quais quando se separa tudo se leva.
Pois mais carregamos
O que não se vê e nem se pega

Quis me separar de você
Mas é incontrolável a cena
Pois não pode o poeta
Separar-se do poema

IRONIA DE SÃO FRANCISCO

Se acaso vires São Francisco
A falar com os pássaros
Com a brisa silenciosa da madrugada
Ou com os pequeninos seres
Que o rodeiam
Não pensais vós
Que ele é amante da natureza
Porque a ela se dirige,
Não.
É que ele cansou
De falar convosco
Em vossa própria língua.