quarta-feira, 4 de março de 2009

PARÁBOLA DO AMOR

No primeiro dia Deus fez a comunhão
e nela a luz afastou as trevas
Invadiu frestas e revelou as formas
dos beijos levados pelos dedos
que anunciavam o sabor do encontro:
chocolate

No segundo dia Deus fez a dúvida e a certeza
ambas doces, serenas e constantes
Dúvida: teriam ficado no peito do outro
as mesmas marcas do primeiro dia?
Certeza: havia luz à frente
e trevas e trevas em todo o passado.

No terceiro dia Deus fez a culpa
e nossos corações se encheram de medo
E as noites ficaram frias
Lembranças de luzes e sonhos
manhãs e flores
suspiros e dias

No quarto dia Deus fez a promessa
E o nosso amor fez-se em laços e enleios
Cada hora mais distante do ontem
Feito busca de horizonte
Feito fuga
feito feito

No quinto dia Deus fez a saudade do futuro
que nossos olhares, abraços e beijos apontam
E os dias e as noites fizeram sombras
em desertos ermos, luz onde reinava trevas
jorros de sonhos
levas e levas

No sexto dia Deus fez o silêncio
e nele ouvimos o som retinto das sementes
Explosão de olhares, vontades, desejos e beijos
Colorindo de esperança manhãs e medos
Dádiva da fruta
Sede e cedo

No sétimo dia Deus fez o canto
e acendemos da alma a trôpega chama
A voz invade e a palavra cala
Canto calmo a embalar o sorriso
Frágil delícia
Santo santo

No oitavo dia Deus fez o amor
afastando dúvidas, receios e medos
Não éramos mais desse mundo
Cerziu de luzes os laços ternos do encontro
De chegada, de partida
Um ponto outro ponto

No nono dia Deus fez a alegria
e mergulhamos em risos, rimas e danças
Sinfonia de aconchego, carícia e acalanto
Em toda poesia que a vida alcança
Novo dia, novo
Tanto tanto

No décimo dia Deus fez o adeus
e partiu num gesto de sorriso e pranto
Por ter revelado em nós seu mais íntimo desejo
De ver o amor anunciando a vida
Em chuvas de sonhos
E enxurrada de beijos

No undécimo dia Deus nos fez em esperança
e lançou sobre nós o tempo e o infinito
Suas preces e descansos
Afinou o mistério, o devir e o sempre
Ficou e partiu, vigília e sono
Amor, humano amor
Deus amo Deus amo.

II
E os dias se passaram como um rio santo
e Deus fez em nós, de sedas e linhos, a sua prova de vida
Dores que ungem e unem espíritos
amores que sangram veladas feridas
Celeiros de amor e coroas de espinhos
contínuo de laços, promessa e ritos

E antes que chegasse o milésimo dia
Deus emudeceu de espanto
Tristeza e pranto, silêncio e vazio
pois viu que seus dois filhos queridos
destruiriam seus laços
fraquejariam perdidos

Ele mergulhado no trabalho
corpo do outro corpo
Não viu que o sangue do seu sangue fugia
Ela lançada ao ser desse mundo
cega das luzes que cegam
não viu que seus passos a traíam

E antes do último dia daquela bênção desfeita
Deus se envergonhou da imperfeição de sua obra
livre arbítrio que longe Dele emudece os cânticos
e afasta os corações das orações de domingo
Respiros de liberdade, desatino
manchando seu manto sagrado - divino

E por fim tomou Deus nas mãos
os pedaços que restaram de sua intenção primeira de amor
Ali luzes tênues e morrentes
Aqui gosto amargo do amor desfeito
Ali pedaços confusos de bons e maus pensamentos
Aqui desilusão dos caminhos sem jeito

Então, num gesto derradeiro fez Deus o que devia
para unir novamente aquelas partes
que por Ele foram um só corpo um dia
com as mãos juntou os pedaços à face
e choveu e choveu
quarenta noites e quarenta dias.

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